Para Winnicott o corpo não é visto apenas em seu aspecto físico da biologia e está longe do estudo biomecânico. O corpo é um dos aspectos da existência psicossomática; existência esta da condição humana que é totalmente dependente do ambiente, da presença do outro para amadurecer e crescer.

É no encontro com o ambiente que vamos pensar o corpo como possibilidade de morada do ser, mas também pensar seu enfraquecimento e distúrbios psicossomáticos. Encontrando na clínica fisioterápica grandes correlações de quadros clínicos, muitas vezes, difíceis de tratar. Winnicott como pediatra e psicanalista, concebeu sua teoria na observação do desenvolvimento emocional infantil e a desenvolveu a partir da saúde, ou seja, das conquistas rumo a uma personalidade unitária, na descrição do fenômeno da mãe com seu bebê. E aqui, vamos nos reportar nesta relação mãe-bebê para que pensemos outra perspectiva que é vir a ter um corpo. Claro está, corpo este para além do biológico. É neste ponto que o fisioterapeuta pode enriquecer seu conhecimento no estudo do homem em sua totalidade e beneficiar seu paciente por favorecer um cuidado mais integrador.

A cena apresenta a fragilidade, a vulnerabilidade e a dependência do bebê de sua mãe (ou substituto). E, se tudo caminha bem, a mãe se envolve com o bebê, se adapta às necessidades dele e de maneira empática começa a traduzir e atender os gestos do bebê por meio de uma comunicação corpo a corpo. Pois neste momento, a linguagem é a presença corporal dos dois (no entanto, na perspectiva do bebê, são um).

Neste “flash” da cena é fácil o reconhecimento do que acontece na experiência de um bebê no colo da mãe e, está aí uma boa parte da teoria de Winnicott que fundamenta a importância dada ao corpo e o ambiente e sua consequência para a saúde e a doença no processo de amadurecimento pessoal e emocional.

Conceitos importantes da teoria winnicottiana se manifestam nesta cena como: preocupação materna primária ou identificação primária (da mãe para seu bebê), criatividade originária e gesto espontâneo (do bebê) que não se resumem ao instinto e a motilidade, mas abarca a vitalidade do existir amparado pelo ambiente.

Nesta amostra do encontro, inaugura-se a trajetória rumo a um si mesmo unitárioa cada experiência vivida de elaborar as sensações e funções corporais e que Winnicott conceitua como elaboração imaginativa e que fortalece a coesão psique-soma. (ponderações)

Do ponto de vista do bebê, continuando nesta cena de um estágio muito primitivo de seu amadurecimento a que Winnicott denomina estágio de dependência absoluta, o bebê e o ambiente são um só (ele com a mãe) e ele não tem condição alguma de perceber a externalidade (o quê é saudável para o seu desenvolvimento, caso contrário, seria invasão ambiental, como veremos a frente) . E sendo ele, o bebê, o próprio ambiente, encontrando o que ele necessita (fome- comida, contato-encontro, aconchegos-mimo, incômodo-conforto etc), ele vive a ilusão de onipotência. Assim, ele confia que “cria”, aos poucos, as coisas (o seio, o leite), e ele próprio (boca, a pele, o movimento digestivo). O bebê vive uma realidade percebida subjetivamente, aquisição tão importante para o fortalecimento de uma personalidade ancorada na corporeidade, o corpo sendo personalizado. Aqui, já está em andamento uma conquista tão importante que é da tarefa de personalização (alojamento da psique no corpo); a medida que o existir corpóreo vai sendo elaborado, um processo ocorrendo juntamente com o sentimento de “habitar” o soma e este momento aponta para o alcance do bebê num status de unidade com o seu corpo e poderíamos dizer que o corpo foi personalizado e tornou-se sua morada. Outras tarefas deste estágio acontecem anteriormente, mas quase que concomitantemente, como a temporalização, espacialização. E um pouco mais adiante, a realização (uso do objeto).

Fica ainda implícito na apreciação desta imagem que os cuidados necessários estão sendo favorecidos satisfatoriamente. Pois, ao não perceber o ambiente, o bebê sinaliza que está sendo bem sustentado e seguro em companhia de uma presença viva e que, parece, gera confiança. Aqui, está o conceito de holding (sustentar físico, bem como a situação no tempo e espaço) e seu desdobramento em handeling que em suma, são a soma dos cuidados ao bebê em seus momentos tranquilos e excitados que, se bem sucedidos, vão fortalecendo mais e mais a coesão psique-soma.

Embora a integração tenha certa sequência, ela dependerá da qualidade do encontro com o ambiente cuidador e aspectos fundamentais dos cuidados inicias estão relacionados à presença e ao olhar da mãe. (ponderações)

É importante nos atentarmos para a cena que, tão frágil como o corpo do bebê, é o seu psiquismo. O bebê se desmancharia em pedaços se não houvesse alguém para acolhê-lo e integrar suas partes (tronco, cabeça, membros…).

Ao pensar o negativo desta cena com suas consequências, ou seja, na falha ambiental veríamos um bebê desamparado, sem sustento, desde o sentido de suporte físico até o não ser contemplado em sua espontaneidade e vitalidade. Assim, ele fica sem referências, sem contornos e sem mecanismos ainda mentais ou estruturais, fica a deriva de um sofrimento sem bordas. Como nomeia Winnicott, um sofrimento impensável ou agonias impensáveis na esteira dos quadros psicóticos. Winnicott sinalizou os vários desdobramentos que esta falha ambiental pode acarretar no processo de amadurecimento, com foco aqui, na conquista de um corpo como morada. (ponderações).

Frente às falhas ambientais, o que está em pauta no período do amadurecimento, não é o conflito inerente à vida (como os relacionais), mas a luta em alcançá-la em um corpo pessoal advindas da conexão entre o corpo e a psique. O sofrimento aqui, essencialmente, clama por sobrevivência do ser e as defesas se levantam contra o seu aniquilamento, nesta perspectiva, o corpo não é mais morada, mas sim um lugar de desassossego e incerta estadia…